Retrospectiva identitária

A vida é tão rara...
e ainda questionam-na se vale a pena ser vivida.
E enquanto pessoas bebem sua vida goela abaixo
para só depois vomitá-la,
lembranças são recompostas com lágrimas e rosas
sobre as lápides parasitadas pelo tempo.

O tempo não para,
porém as lembranças ainda insistem em voltar...
e me levar de volta ao passado.

Lembro dos meus amigos
e das ruas que juntos percorremos,
das insistências e fugas para à cama não ir
e para ao jogo de futebol voltar a jogar,
da inocência e experiência não adquiridas
e da visão de que tudo era tão bom...
do tempo que insistia em tanto passar.

A vida veio e pegou a todos de surpresa.
Cada um fez e seguiu seus próprios caminhos...
sendo esquecidos pelo tempo no final.
Fui posto para dormir e acordei diferente,
já não era mais criança, era adolescente!
A inocência se transformou em latência
e tudo acabou em indescência.
E o tempo passou tão rápido como num sonho
e me vi acordado defronte à realidade.

Então, a experiência fez-me homem
e pude perceber que enquanto todo mundo esperava a origem de todo o mal,
fingia-se que tudo era tão normal que se tornou habitual.
O mundo esperava alguma atitude da gente
e a gente dele...
E ficava por isso mesmo.

A vida é tão rara...
e ainda questionam-na se vale a pena ser vivida.
E enquanto pessoas bebem sua vida goela abaixo
para só depois vomitá-la,
lembranças são recompostas com lágrimas e rosas
sobre as lápides parasitadas pelo tempo.

Oh! Que nostalgia!
Tudo o que me sobra da infância
cabe numa caixinha de metal já enferrujada pela ação destruidora do tempo.
Tão enferrujada quantos meus ossos.
Agora tenho de ser forte,
pois até o tempo está contra mim.
Tenho de fazer da minha vida uma realização tão única
e tentar, assim, adiar ao máximo a minha estadia permanente
na caixa preta que me espera.
Caixa que se fechará com as minhas lembranças,
meus sentimentos, meu caráter e meu corpo já pálido.
Enterrando toda a minha existência,
existência que já me fez ser humano um dia.
(Pelo menos servirei de conforto à terra...)

A vida é tão rara...
e ainda questionam-na se vale a pena ser vivida.
E enquanto pessoas bebem sua vida goela abaixo
para só depois vomitá-la,
lembranças são recompostas com lágrimas e rosas
sobre as lápides parasitadas pelo tempo.

Tudo na vida de uma criança
é tão engraçado.
Tão engraçado que o tempo, repito, insiste em passar
e de repente, vejo-me um velho!
Tudo na vida de um adolescente
é tão...chato.
Tão chato, monótono, entediante e etc e etc
e de repente, vejo-me em resmungão.
Tudo na vida de um adulto
é tão caro.
Tão caro que descubro que até o meu caráter foi vendido,
vendido para quitar prestações das quais nem tinha conhecimento.

O que me sobra da adolescência
é um papel esverdeado já amarelado pelo tempo.
(Sim, sou brasileiro.Sou humano e tenho sentimentos)
E ao me comparar olhando pelo espelho
vejo que meu reflexo fora roubado
pois já não sou mais o mesmo!

O que me sobra da vida adulta...
nada tenho a dizer...
apenas cabelos caídos
pelos dias perdidos.

A vida é tão cara.
E ainda refletem se vale a vida ser vendida.
E enquanto isso, bebo da fonte do conhecimento para me manter são
e só depois saboreá-lo.
Descubro, então, o porquê do viver!

Agora, meus ossos já estão frágeis como barro cozido,
já não aguentam mais os baques da vida.
Meu coração ficou tão duro, seco e frio
como o chão em que piso.
Simplesmente por ter acreditado na humanidade.
Porque enquanto todo mundo esperava a cura de todo o mal
fingia que tudo era normal.
Todo mundo esperava o melhor de todos
e todos de todo mundo.
E ficava por isso mesmo.
Em suma, até o espaço e o tempo mudaram
mas não o homem que continua preso à inércia.
E embora ainda insistam em dizer que ele mudou,
prefiro concordar discordando
dizendo que ele só mudou mas não acompanhou a evolução do "resto".
(Como pode o homem ter mudado e não ter evoluído?!)

Mas agora sim!
Posso dizer que estou em paz.
Em paz com o mundo e comigo mesmo.
Herdei da velhice apenas a
paciência
e do gato sentado ao meu lado...
uma calma mais sonolenta.
(Que sono esse vai e vem da rede está me dando!)

O cheiro de comida já reina no ar e entra pelas minhas narinas.
"O almoço já está pronto" é o que vem de encontro aos meus ouvidos.
O almoço já esquentou
e o café, esfriou.
Campainha soou.
Visita chegou.
Esposa me chama.
Tiro o gato que dormia sobre meu braço e saio do balanço da rede.
Meus filhos e netos chegaram!
Tenho uma família que me ama
e o Senhor, um filho que O ama.

A vida continua...