Um conto natalino

A realidade

                     Era Natal! como já era de se supor pois por todos os lados se viam luzes que piscavam alternativamente vermelo, azul, verde...amarelo, roxo, branco...vermelo, azul, verde...amarelo, roxo, branco; árvores todas ornamentadas, sendo umas mais artificiais que naturais; pinheiros todos enfeitados com suas incríveis bolas e pinhões; anjos que rodeavam os transeuntes; enfeites que destacavam a tríade natalina verde, vermelha e branca; um papai noel em cada esquina entregando pirulitos a cada criança que se sentasse em seu colo e de lá saiam felizes, deixando um sorriso na barba postiça do homem irreconhecível.É...o salário que estava sendo garantido.Seu décimo terceiro verdadeiro está garantido!Tinha como ajudante uma mamãe noel, mulher de rara beleza.Uns só passavam para trocarem olhares e espanto com ela e suas ajudantes.Uns estavam cheios de sacolas e suas preocupações ou largavam de seus ombros para os ombros de qualquer um que por perto passasse ou no bolso guardavam, outros na dúvida do que comprar ou se realmente era necessário comprar...quem sabe alguém poderia dar o que tanto desejavam.Talvez um parente.Talvez um amigo.
                     Na multidão que invadia cada espaço disputado do shopping um rapaz trabalhava desesperado tentando a cada vez mais em vão atender a todos as ordens.Era chamado de Lux.Para falar a verdade, nem mesmo ele sabia a origem de tão bizarro nome ou apelido.Alguns chamados amigos diziam que era em referência aos cachorros de nome Rex violentos que circulavam por aí.Não via mais motivo para esse nome pois há tempo aprendera a lidar com o seu cão violento interior e assim domesticá-lo.
                     Após terminado o turno que parecia não mais ter fim, Lux exausto seguia em fila com grande parte dos funcionários do shopping em que trabalha.Não tivera tempo nem momento e pensamento para olhar e invejar a sua condição; as vitrines que antes eram translúcidas agora eram opacas e a luz que era para todos naquele lindo shopping de luxo agora era só dos arranha-céus.
                     Deus!Se soubessem como essas mulheres tão instantaneamente admiradas fossem diferentes após acabado o turno, para não dizer feias, certamente a tratariam como uma outra qualquer.A maquiagem, de fato, opera verdadeiros milagres.Necessitava urgentemente de uma!Na loucura em que vivia e seguia cambaleando até que uma maquiagem não seria uma prova de insanidade.
                     O ônibus chegou e ele com os funcionários entraram.É claro que alguns tinham seus próprios veículos e pela ampla janela da humilhação Lux contemplava as luzes da esperança que via em cada esquina.Com certeza, pensava, aquilo não veio do suor...tem algo a mais oculto.Tem algo a mais escondido nesses falsos sorrisos da conquista que pareciam tão verdadeiros.

Mudança de rotina

                     Finalmente o ônibus parou.Desceu e percebeu, por mais estranho que pareça que percorreu sem perceber o longo caminho da parada até o seu abrigo alugado!Só defronte à casa percebeu que começava a nevar pequeninos flocos de neve!
                     Pegou a única chave e girou na tranca abrindo a porta e.Viu e se espantou de alegria ao ver as luzes vinda de pisca piscas que comprara e de sua hunilde árvore que o esperavam.Seu esforço transformado em esperança.Pouco se importava com as despesas que viriam na energia.Essa energia que enchia seu coração não tinha preço no mundo que pagasse e comprasse.Já experimentara de tudo o que os outros diziam ser os únicos meios de se tornar um homem e iniciar uma vida de felicidade; porém com a bebida de alguma forma fez com que entrasse água no seu chope e de algum jeito entrara em um buraco tão profundo que de lá não conseguia sair.De alguma forma, mesmo unido sentia-se só...e essa melancolia ora o corroía por dentro ora o fazia feliz por ter descoberto na solidão a mais sincera amizade para a felicidade que existia...e de vez em quando desaparecia sem dar sinais de seu retorno.
                     Cansado sucumbiu a espécie de sofá e poltrona que agora lhe pertencia.Pensou em até ligar a televisão.Poderia estar passando algo...intere.Não!Preferiu encarar o teto sujo esperando respostas, e em seguida para a árvore e as luzes que iluminavam suas pálpebras quando essas se encontravam fechadas.Abria os olhos e via a dura realidade, fechava os olhos e via...uma luz que piscava e piscava.Não sabia se era indicando o caminho como meio que chamando ou se era alertando algo que não sabia.Olhou de novo para a árvore e viu que não tinha caixas de presente.Estava tudo bem por um lado, já que não tinha ninguém...seus pais nunca conheceu; sua família foi as ruas gélidas e tão diretas mesmo quanto enigmáticas com suas curvas.Nem tinha pensado em comprar presente.Nem para si mesmo!
                     Levantou-se da espécie de poltrona ou sofá e se dirigiu à janela.Estava tão frio que entre flocos de neve que flutuavam pelo ar uma camada de água gélida se formava no ar à medida que respirava o que julgava ser fumaça e se misturava com o pó de sua casa.Queria que seu presente fosse agora uma lareira, mas só tinha fósforos e velas; e assim, tirou da empoeirada caixa em que guardava o que esperava usar e pegou os fósforos, acendendo um e distribuindo o calor por entre as velas, deixando-as espalhadas no chão enquanto se pos a contemplar ora as dimensões de seu quarto ora a estreita janela.Julgou ver uma estrela ao se ver iluminado pela esperança, apesar de tão distante ser apenas mais um ponto na infinitude da noite.E.E...de...tão...cansado...
                    
25 de dezembro - parte 1

                     Acordou com um vento uivante que entrava em seus olhos fazendo-o lacrimejar, em seu nariz fazendo-o corizar, em sua boca fazendo-a tremer incontrolavelmente, em seus ouvidos fazendo-o ouvir a som do medo; medo de saber que fora uma ilusão talvez?E nos cabelos e pele, o vento fazia desejar que não fosse mais ser humano.
                     -Ai meu Deus!Esqueci de trancar a porta!- falou duelando com o vento.Pensou em xingar mas o vento falava mais alto.
                     As velas estavam derrubadas.Imóveis.Apagadas.Mortas.Por que tudo simplesmente não pegou fogo?Teria sido bem melhor..., pensava até a árvore cair e levar junto a afiação que alimentava os pisca piscas.Estava no frio e no escuro.O que mais podia dar errado?A janela se abriu tão forte a ponto de seu interior se quebrar, espalhando cacos pelo chão.Assustado e com raiva levantou-se decidido sem saber o porquê, pegou a caixa de fósforos e saiu de casa.Sentia que algo em seu interior ganhava forças e mais força e ele nada podia fzer a não ser ceder.
                    
 A transmutação

                     Já no olho na rua, via tudo com um olhar diferente.Só tinha agora uma meia e um sapato que levava de um jeito muito engraçado, haja visto que os poucos transeuntes riam dele.De tanto frio e neve em suas entranhas decidiu riscar um fósforo.Pegou um jornal e tentou acender.O vento não permitia.Escondeu-se onde o vento não o alcançava e ao riscar de novo sua decepção aumentou: suas mãos não conseguiam segurar os fósforos; de alguma forma eles insistiam em cair de duas trêmulas mãos.Restou à boca, e após muita dificuldade conseguiu riscar um, depois de outros quebrados e perdidos, por entre as paredes.
                     Queimou a sua língua.Após gritar para o mundo, já fora de si abandonou tudo o que levava, restando somente as roupas agora imundas.Seguia o caminho que seu interior descobria...

A Igreja

                     Foi conduzido pelas vozes místicas do que depois se revelou o coro distante de uma igreja que cantava acompanhada dos baladares dos sinos que anunciavam um novo dia, um novo tempo...uma nova vida!E entre a multidão alegre que o frio combatia e vencia pelos presentes e religião ao acompanhar tudo de longe, algo se rastejava entre a multidão:
                     -Olhe papai!Tem um bicho ali!Eca!-gritavam inocentes crianças tão crueis.
                     No meio da multidão algo se arrastava.Não podia ser um humano.Parecia um bicho, um cachorro.Uns na piedade do clima chegaram até ao extremo do altruísmo de compartilhar o que tinham jogando a seu encontro restos de comida.Ele apenas negava balançando negativamente a cabeça.Parecia querer algo a mais.Uns com nojo o enxotavam com palavras e pontapés.
                     Sem saída, viu-se em caminho à igreja.Ocorreu, no entanto, de justamente na sua humilde entrada, o povo ali dentro se dividir entre os que nada faziam...e apenas olhavam, possivelmente na busca de algo e os que seguiam na fila e os que se ajoelhavam pedindo por algo.
                     Humildemente ele ali se pos na fila e seguiu até o espanto do padre e dele receber na boca, haja visto que suas mãos estavam muito sujas, o corpo e o sangue de Cristo.Como ele chegou ali?O que aconteceu?Lux olhou para o alto e viu um teto tão longe...e brilhante.Como era limpo!Setia um gosto esquisito em sua boca como algo meio sólido mergulhado em um líquido viscoso.Apenas engoliu.Não queria pensar no.Apenas encarou seu olhar à cruz até reparar o coro que cantava e cantava sem medo e vergonha de ser feliz.Lágrimas desciam pelo seus olhos morrendo no seu sorriso.Que estado místico era aquele que o levou a um estado puro de felicidade!? perguntava a si mesmo acalmando o seu interior...Emocionado voltou o seu olhar na cruz e Nele se fixou.

O desejo

                     Acabada a missa e seu estado de transe, seguiu a multidão até se embelezar com o ar que invadia os seus pulmões e no corpo tudo purificava e o belo céu estrelado que chorava flocos de neve.
                     Pegou um com sua mão e direcionou-o a seu peito como meio que para guardar uma recordação a ser lembrada daquela tão merecedora e estranha experiência.Uma experiência a ser sentida outra vez...
                     Grande foi o seu espanto ao sentir que por acaso perto do coração havia um bolso que não se lembrava; e dentro dele um fósforo apenas.
                     Tirou do bolso e encarou-o por um certo tempo.Pensou em jogá-lo no chão.Pensou em riscá-lo.Porém, apenas colocou de volta em seu bolso e seguiu caminho.

25 de dezembro - parte 2

                     Para onde iria?Possivelmente sua casa.Iria recomeçar do zero.Não mais podia mudar o passado, mas com toda a certeza desse mundo irá mudar o futuro.
                     Tinha apenas uma certeza: a felicidade não custa nada, é nos dada de graça; embora muitos ainda insitem em vão comprá-la.Estava livre mesmo que entre quatro paredes, mas agora finalmente se sentia completo; alcançou sem querer a meta que sem saber buscava...encontrou o seu presente, presente dado dos céus.Encontrou a felicadade!
                     Nisso olhou para o céu e uma estrela piscava fortemente indicando o caminho.Estava tudo azul e dourado.