O fantasma da idade

                    Certa vez em uma manhã qualquer um velho se exercitava para caminhar os seus habituais 1km após sofrer de novo uma parada cardíaca.Era sedentário mas subitamente mudara.Geralmente andava agora até 3km todo dia.A vida ficara mais suportável.
                   Estava nublado nesse dia.Melhor para ele, pois assim poderia caminhar até mais se possível.Os dias estavam muito quentes ultimamente e com certeza seu corpo sofrera com isso.
                   Não se lembrava do seu passado.Não se lembrava do que lhe tinha acontecido.Só sabia que o tinham trazido de novo a vida para tomar juízo, se exercitar e ter coragem de viver por adultos que diziam ser seus filhos.
                   -Filhos?Vocês são filhos?Eu não tenho filhos!Saiam da minha casa e nunca mais voltem- dizia para a tristeza e choro de seus filhos.
                   Nunca gostara de viver e não sabia o porquê até descobrir o prazer de se exercitar.Tinha até amigos que se exercitavam no mesmo horário que ele.Uns novos e outros velhos que nem ele.Concentrado no que fazia, esquecia-se que mesmo querendo mudar o percurso, de alguma forma sempre fazia o mesmo percurso.Provavelmente era o reflexo da sua idade avançada.
                   Encontrava as mesmas faces, porém a cada dia mais alteradas e borradas.Isso o fazia feliz.O tempo não era só seu inimigo.E junto a rotina cumpria o papel de mudar as expressões e silhuetas dos outros, menos a sua.
                   Após recuperar o fôlego e tomar uns goles d´água, voltou a caminhar, até que algo quebrou a sua concentração.
                   Um rapaz muito belo chamou a sua atenção ao entrar no seu campo de visão.Perplexo com tamanha beleza sentia em sua memória alguma lembrança que insitia revelar-se.O rapaz nem notou, e se notou pouco se importou.Devia estar acostumado.De repente se recordou de tudo que sua mente tentava esquecer.
                   Lembrou-se do tempo em que ia à escola sem saber o porquê, de jogar bola com amigos verdadeiros, de seus pais.Pais!Sim!Fazia tanto tempo que já havia esquecido os traços e existência daqueles que sempre o amaram independentemente da situação.Lembrou-se que teve irmãos, animais de estimação, amigos, namoradas...era tanta coisa de uma só vez que sentia em seu corpo uma ligação com o divino.Seus amigos ou estavam mortos ou não eram mais amigos e sim apenas recordações.O mesmo valia para as mulheres a quem amou.Como era belo!Como era belo aquele rapaz...Lembrou-se de sua mulher que parecia lhe chamar, porém não conseguia entender o que ela falava.Provavelmente falava a língua dos anjos.Seu filho!Filho não!Filhos!Sim!E nisso associou às pessoas que diziam serem realmente os seus filhos.
                   -Sim!São eles!- exclamava para o mundo enquanto pessoas passavam olhando-o de maneira assustada.
                   -Deve estar gagá- disseram duas empregadas que passeavam com uns bebês-Ah!Mas me conta mais sobre a novela de ontem amiga- disse logo a outra.
                   Lembrou-se de toda a sua vida enquanto a emoção trancorria em seu corpo em forma de suor gelado e calafrios.Que estranho...que sensação é essa?Nem quente está.Em seguida abanou a camisa suada.
                   Ao pender a sua garrafa à sua boca sentiu um violento espasmo no peito que se propagou em seu braço, fazendo-o arremessar a garrafa para bem longe para o espanto dos transeuntes.Suava como nunca suara antes.Sentia tontura e ânsia de vomitar.Perdeu o equilíbrio.Conseguia entender a voz de sua mulher.Caiu de joelhos enquanto tentava falar algo, mas de suas bocas paenas saia uma chuva de baba.Desesperadamente tentou olhar para trás na esperança de encontrar o rapaz, porém a neblina ocultava a profundidade de campo.Estava com a cabeça na calçada enquanto uns riam de sua desgraça e outros apenas olhavam.
                   -Olha só o velho!-falavam e riam as crianças.
                   Ouvia e via tudo multiplicado infinitamente até que nada mais sentiu; a não ser uma leve sensação de flutuação.