O monge e a fonte

                    Após mais uma manhã de oração e estudo o monge sai de seu quarto e vai para o pátio descansar.Pega uma caneca de lata amassada que é de propriedade de todos e vai pegar água na fonte a fim de saciar a sua insaciável sede.
                    O dia estava quente.Pássaros podiam ser visto cantando preso ao galho das árvores.Prestes a molhar a caneca, na superfície d´água vê o seu reflexo e nisso mergulha em seus pensamentos.Pelo reflexo viu o pico que jorrava água em forma de parábola e conversa, assim, com o seu outro eu:
                    -Que fazes aqui?Não vês que mesmo se esforçando ao máximo nunca atingirá o que procura?
                    -Eu me esforço agora e me afasto ao máximo possível dos pecados para usufruir da vida no reino de Deus.
                    -Você acha então que viverá feliz para sempre em uma dimensão que nem sabe se existe realmente?
                    -Mas a Bíblia mostra que o reino de Deus existe!E nisso eu acredito!-disse convicto.
                    -E?Eu quero uma prova.
                    Fiquei sem saber o que responder até que:
                    -Olha para essa realidade...
                    -Eu não pertenço a essa realidade-disse sério.
                    -É claro que há de existir uma outra dimensão.
                    -Que mentalidade simplória- e nisso riu- só por você achar que essa realidade é uma merda cheia de mais merda terá que existir o oposto?Só pelo fato de o Diabo existir- e tentou esconder um riso-Deus também tem que existir?
                    -Mas o Diabo existe porque Deus existe- e olhei ao redor para ver se ninguém tinha ouvido.
                    Ele riu alto:
                    -Continua do mesmo jeito- e balacçou negativamente a cabeça como que me censurando-Acha que por ser sofrida a vida aqui será recompensado no reino do talvez?
                    -Talvez-respondi confuso.
                    -Vês!- e balançou os braços-Vá curtir a vida agora.O fim será o mesmo para todos.Os tempos mudaram.Para tudo tem o seu tempo, e para a religião vale o mesmo.Uma nova religião irá surgir: a do Nada!
                    -Quem é você para dizer tal calúnia?-estava furioso.
                    -Você!Com a diferença que por ser o seu reflexo eu sou canhoto...vês-e levantou a mão esquerda-e por isso-riu- viverei menos que você agora porque viverei na sua mente já renascida das cinzas.
                    Deixei a caneca cair e assim a caneca abalou a superfície.Na turbulência  vi o reflexo desfigurado.Ele ria e ria até ficar irreconhecível.
                    -Maldito seja ele- e gritei para o céu-Fui corrompido!Desperdicei toda a minha vida trocando o certo pelo duvidoso!Por quê?-e gritei com todo o meu ar dos pulmões-Por quê?Por que nasci?
                    Mal sabia que ele havia penetrado nele próprio.Desesperado pela iluminação escura saiu andando, como meio sem acreditar no fato ocorrido, de costas até bater numa estátua.Assustado, olhou para trás e viu na estátua um anjo que segurava um livro em uma mão e escrevia com a outra no livro.A mão era a esquerda!
                    Corri, corri até achar a saída do mosteiro rezando e segurando com todas as forças desse mundo o crucifixo.Como tudo parecia ter mudado de repente.Minha mão ardia.Havia até esquecido onde era a saída.De repente tudo parecia ter sido propositalmente mudado.Minha mão agora sangrava e assustado deixei o crucifixo cair no chão e lá ficar.Saí do meu abrigo não mais aconchegante e vi um mundo totalmente diferente!Era só caos e violência em todo o lugar.
                    A realidade parecia duvidosa.Parecia uma visão.Não reconhecia nada do que via.Eu, um simples monge do século V via coisas que com certeza iria me levar à fogueira.
                    Concluí que o Nada era o deus supremo e encarei tudo de um jeito diferente até sentir algo me puxando e me trazendo de volta ao tempo que me prendia e me fazia dele pertencer:
                    -Acorda!Irei tirar esse demônio de seu corpo.
                    Acordei com uma cruz em minha frente e gritei sem controle, como se algo saísse de meu interior.
                    -Ele sou eu!-e cuspia enquanto sentia eu dentro de mim.Eu era ele todo esse tempo!-Seu mentiroso!-e gritava amarguramente.
                    Meus companheiros rezavam por mim.O jorro da vida finalizava o seu movimento parabolístico.Minha vida vazia acabava ali.