A caneta e o papel ou Como uma história é escrita
Na escuridão do dia que parecia não ter fim...
-Psiu!Ainda queres inultimente comigo competir?-indagou em tom de desafio a caneta ao papel.
-Ainda vai continuar nessa inútil disputa onde não há vencedores...
-Mas há vencedor...eu!
-Posso falar agora sem ser interrompido?Sou menos importante que você para tanto?
-É isso mesmo que tu queres dizer?Quem és tu para dizer-me que sou menos importante que você?-indagou a caneta ornamentada ao papel.
-Não foi isso que eu quiz dizer, mas...-e suspirou-sou o local onde é registrado os feitos do homem- replicou o rude papel à caneta.
-Sem mim a verdade nunca teria sido escrita e nunca será.
-E sem mim a história será apenas algo a ser esquecido.A história sem onde ser escrita seria apenas o vazio...
-Você por acaso és escudo?Só se defendes...
-E você a espada?Não me preocupo com isso, sou o refúgio daqueles que no futuro creem em suas memórias expostas...
-Não tens nada a dizer, ampulheta?
-...-ela que sempre fora calada continuava calada durante toda essa discussão e continuou.
-Ô raiva me dá esta ampulheta!Só sabe ficar calada enquanto é consumida pelo tempo...pois olhes para ti mesmo!-a caneta voltou a atenção para o papel-Basta eu riscar e riscar em você que virarás tiras de papel-e riu.
-É por isso que eu faço parte de um caderno.Acaba a minha parte e outras aparecem.E você?O seu real valor para mim, para o nosso dono e para o mundo está apenas na tinta e não nesse seu inútil ouro que te adornas.A história é feita de pequenas histórias...
-Que se cruzam pela riqueza...da qual eu orgulhosamente apresento em meu corpo.
-Mas...-e parou para refletir bem o que iria dizer, até ser interrompido pelo barulho da porta.Seria o vento da revolução?-chegou a pensar por um instante o papel que a cada resposta se sentia um pouquinho mais sábio; porém não menos que a ampulheta, talvez.
Um tiro foi ouvido seguido de vidro em cacos tansformado no chão que antes completavam a janela e a casa da neve.Em seguida um estrondo que de tão forte abalou a casa, levou um quadro que estava pendurado na parede cair em uma estante levando ao chão uma cruz.
Nessa sequência de fatos o historiador apareceu.Tirou o seu sobretudo manchado de sangue e lama e acendeu a lamparina que só à escrivaninha iluminava.Seu corpo estava aberto em uma fração do mesmo e por essa ferida escorria sangue.Sentou-se, libertou o seu choro de dor que lá fora escondia.A guerra parecia não ter fim.Estava sem água, luz e o pão a cada dia parecia mais e mais sem sal.
-É disso que o homem vive?Para que serve o conhecimento?-e olhou para a sua vasta biblioteca-Para que serve todo esse conhecimento na escuridão?-falou esperando ser ouvido e jogou uns livros abertos que estavam sobre a escrivaninha-Nem minhas próprias mãos posso lavar!-e virou a ampulheta, pegou a caneta e como sem opção se pôs a escrever intensa e incessantemente no papel.
A caneta e o papel estavam certos e errados.Estavam apavorados.A mão estava nervosa e com força espremia a frágil caneta no papel que se rasgava abrindo caminho para o suor que saía da mão, de lágrimas que ocasionalmente molhavam o papel, junto do rastro de lama, sangue e pólvora que a suja mão deixava ao escrever a história.A história é feita de narrativas que se cruzam.As ações são opcionais, cabendo ao vencedor da guerra que existiu ou não escrever a verdadeira história.
A risada talvez insana fazia-os ficarem em silêncio...que nem a ampulheta.Talvez agora entendiam o porquê do silêncio da sábia ampulheta.